Mônica Cardoso
A Educação Infantil é o início da vida escolar, mas o contato da criança com o mundo letrado começa bem antes da entrada na escola. Ao ver a mãe escrever a lista de compras, a criança constrói a ideia de que uma das ações sociais da linguagem escrita é garantir a memória. Quando observa o pai digitar uma mensagem no celular, ela percebe que a escrita é importante para a comunicação. Se a avó segue a receita para fazer um bolo, ela associa o uso da escrita à transmissão de ensinamentos. Em uma sociedade em que a escrita é tão valorizada, o contato das crianças com a cultura letrada acontece cada vez mais cedo e, muitas vezes, a alfabetização é apresentada como um objetivo de aprendizagem já na Educação Infantil.
“A criança, desde muito cedo, depara-se com a escrita a sua volta, vendo a mãe escrevendo um bilhete, o pai conferindo a conta de luz, a avó lendo um livro para ela... Assim, começa a perceber o significado desses diferentes portadores, o que a introduz nos usos sociais da escrita – no letramento. Ela revela, também desde cedo, interesse pelo significado daqueles pequenos traços, as letras, e curiosidade sobre como eles representam palavras, histórias – começa a compreender a alfabetização”, afirma Magda Soares, professora titular emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O papel central que as práticas de leitura e escrita ganharam em nossa sociedade influencia o olhar das crianças sobre a realidade que as cerca, mesmo antes de ingressarem na vida escolar.
“Tomar parte em situações de uso da escrita é ser introduzido no letramento. Quando elas chegam às escolas, já experienciaram inúmeras situações em que a palavra escrita está presente e é necessária para interagir socialmente, antes mesmo de qualquer adulto dizer se devem ou não ser alfabetizadas nesse momento de escolarização. Como sujeitos e produtores de cultura, elas anseiam conhecer e tentam desvendar o que a escrita representa e como ela representa”, avalia Claudia Lemos Vóvio, professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A questão que se apresenta então é o que a Educação Infantil pode fazer tanto com os desejos e interesses das crianças como com a bagagem de saberes que elas já construíram participando de práticas de letramento anteriores à escolarização.
“É preciso esclarecer o que chamamos de alfabetização. Se considerar que alfabetização é ensinar as relações entre sons e letras, e que para isso é preciso treinar a criança para reconhecer esses sons e estabelecer uma relação com sua forma gráfica, eu diria que há muitos contras em relação à alfabetização na Educação Infantil. No entanto, se considerar que alfabetização é um processo que começa muito antes de a criança ter acesso a práticas educativas na escola, independentemente da autorização dos adultos e da mediação de professores para ensiná-la a ler e a escrever, eu diria que há muitos prós. Diria mais ainda: que seria uma obrigação da Educação Infantil oferecer às crianças situações nas quais elas possam ver respondidas suas perguntas sobre o funcionamento da linguagem escrita, ampliar suas experiências em relação a essa linguagem e ser estimuladas a querer saber mais sobre ela”, pondera Mônica Correia Baptista, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Centro de Alfabetização Leitura e Escrita (Ceale/UFMG).
Diante do fato de vivermos em uma cultura letrada, qual deve o ser papel desempenhado pela Educação Infantil? Para Magda Soares, a alfabetização é um processo que deve se iniciar já nessa etapa escolar, explorando a curiosidade que as crianças têm em relação à língua escrita: “Em geral, na Educação Infantil se tem feito uma separação entre letramento e alfabetização: entende-se que a criança deve se desenvolver no letramento, mas não iniciar a aprendizagem de conceitos sobre a língua escrita − o que são as letras, o que elas significam, por que representam sons e como os adultos transformam aqueles 'risquinhos' em palavras. Não é preciso esperar os 6 ou 7 anos e assim interromper a introdução à alfabetização da criança. Considero mesmo injusto impedir que ela continue um processo que já começou.”
No entanto, há que se atentar para as peculiaridades dessa fase do desenvolvimento infantil, alerta Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). “A polarização pode gerar duas posturas extremas. De um lado, colocar crianças sentadas nas carteiras fazendo exercícios de coordenação motora, copiando e recitando maquinalmente o babebibobu, que não tem nenhum significado para elas. De outro, achar que a criança não deve ter contato com práticas de leitura e escrita de jeito nenhum, o que revela a falta da consciência do letramento. O papel da escola não pode ser o de brecar o conhecimento, mas incentivar a ampliação de experiências com base na realidade da criança, acompanhando esse processo e
promovendo experiências significativas sobre a linguagem”, analisa a especialista.