Raimunda Alves Melo*
A região do semiárido brasileiro compreende um território de 1,142 milhão km² de extensão, reunindo cerca de 1.500 municípios de 11 estados: Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, onde vivem 26,4 milhões de pessoas. Historicamente, essa região costuma ser retratada como um lugar de pobreza, seca e poucas oportunidades. Esse quadro vem mudando aos poucos, mas ainda se mantém a visão equivocada de atraso e de falta de perspectivas, principalmente no campo, sugerindo que os alunos saiam de seu local de origem para morar na cidade.
Ao contrário disso, a Educação do Campo para a Convivência com o Semiárido é uma iniciativa criada em sintonia com as indicações da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) vigentes, documentos que recomendam que a educação escolar seja compreendida no contexto da localidade da escola. Esse reconhecimento compreende o campo como espaço cultural, econômica e socialmente rico. Além disso, ensina-se a conhecer, valorizar e transformar o lugar onde se vive, e manter raízes e laços com a família e com a comunidade.
Partindo dessas considerações introdutórias, sabemos que atualmente o desafio de assegurar o acesso e o sucesso escolar de todos os alunos tem sido pauta das políticas educacionais, nas diferentes regiões do Brasil, no intuito de criar as condições adequadas para o desenvolvimento de competências e habilidades cada vez mais necessárias no mundo contemporâneo. Neste cenário, não há dúvida de que o professor é o personagem central no processo de ensino-aprendizagem, pois é dele a responsabilidade de selecionar e organizar conhecimentos, bem como de articular as condições que propiciam a aprendizagem. É por essas e outras razões que a sua formação passou a ser uma ação estratégica para garantir melhores resultados na educação escolar.
Formar pessoas e modificar visões equivocadas sobre o semiárido passa necessariamente por processos formativos concebidos ao longo da vida, ou seja, uma formação contínua. Esta concepção parte de uma ótica que considera a formação como um dos eixos capazes de promover o desenvolvimento profissional e consequentemente fomentar mudanças nos sistemas educativos, nos métodos de ensino e nas concepções dos professores.
Nessa perspectiva, a Educação do Campo para a Convivência com o Semiárido defende, como um de seus princípios, o papel da escola como formadora de sujeitos articulada a um projeto de emancipação humana para educandos e educadores. Para tanto, a formação continuada deve estimular a capacidade de criação, possibilitando ao educador constituir-se como ser social responsável, capaz de autoformar-se, refletir sobre a sua prática, cooperar e relacionar-se eticamente.
No lastro dessas considerações, avulta a compreensão de que a formação continuada deve considerar a realidade histórico-social do lugar onde os professores trabalham, as suas necessidades de formação para a vida profissional/acadêmica e cotidiana e, de igual modo, a indispensável relação entre teoria e prática. Imbernón (2010), a propósito, defende uma política de formação continuada que trabalhe com base no contexto escolar, na realidade onde a escola está inserida; uma proposta fundamentada em princípios coletivos, pautados no diálogo, no debate, na busca de consenso, num clima afetivo que favoreça o trabalho colaborativo. Consideramos, pois, que a formação de professores que atuam em escolas do campo no semiárido deve se estruturar sobre os princípios propostos por esse autor.
Partindo dessas discussões legais e teóricas, e analisando a realidade circundante, sabemos que, na prática, as políticas de Educação do Campo para a Convivência com o Semiárido passam por muitos desafios, principalmente o de construir o paradigma para produzir teorias, construir, consolidar e disseminar novas concepções, bem como manter viva a memória da educação do camponês. Notadamente, a formação continuada também se inclui no rol destas necessidades, pois percebemos que na maioria das vezes os sistemas educacionais ainda não garantem a proposição e discussão de metodologias e conteúdos que considerem as especificidades e necessidades do campo e do semiárido.
A formação de professores na perspectiva da Educação do Campo para a Convivência com o Semiárido precisa ser planejada e executada com base na participação ativa de professores, por meio de uma proposta ampla e profunda em conhecimento. Desse modo, possibilita-se que as aprendizagens sejam permanentes e levem em consideração não somente os saberes ligados ao desenvolvimento profissional (a profissão específica), mas também que promovam nos docentes a compreensão do contexto educacional e social da escola e da comunidade. Nesse aspecto, a formação continuada deve ter como base uma proposta de desenvolvimento do semiárido e um projeto político pedagógico específico para suas escolas, pois assim poderá contribuir significativamente para o fortalecimento das práticas docentes na região. Portanto, a escola que forma esses educadores deve assumir a identidade do semiárido e ajudar a construir a referência de uma nova proposta de formação e educação.
A formação continuada de professores delineada nesses moldes ocupa lugar de destaque por assegurar que os processos formativos concebam o semiárido como lugar onde não apenas se reproduz, mas também se produz conhecimento, compromisso com a luta, com o movimento social e com a vida.
E você, professor(a) do semiárido, como tem sido a formação continuada em sua rede escolar?
Referências bibliográficas
IMBERNÓN, F. Formação continuada de professores. Trad. Juliana dos Santos Padilha. Porto Alegre: Artmed, 2010.
* Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e consultora do Programa Palavra de Criança em 25 municípios piauienses.
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Leia o texto anterior desta colunista: “Literatura infantil lúdica: uma importante ferramenta para a formação de leitores”.
Acesse também a entrevista de Raimunda Alves Melo à Plataforma do Letramento, em que a educadora fala sobre o papel do coordenador pedagógico no Programa Palavra de Criança (Piauí). Clique aqui.